O Velho

Ventos do sul trouxeram o homem Velho à minha casa. Bateu à porta, pediu para entrar. Pude sentir o hálito dos vermes que corroem o seu tempo e seu corpo em consumpção. Senti um calafrio percorrer meu corpo. Mãos frias. Olhos vidrados. Minha hesitação diante da porta aberta fortalecia o intento do velho homem. Percebendo isso, ele sorriu — sarcástico. Dei um passo atrás. Fiquei entre o homem Velho e a minha vida. Ele deu um passo à frente e, subitamente, a porta se fechou, ou fechei a porta.


Girei a chave, passei a tranca, fechei as cortinas e subi as escadas, rapidamente. No sótão, sentei-me no chão, perto da janela, abraçando as pernas junto ao corpo. O sol iluminava o pequeno e acolhedor aposento e seu calor envolvia meu corpo. Deixei cair a cabeça para trás e fechei os olhos, aproveitando melhor a luz da estrela. Sentia-me, enfim, segura, inteira, coesa. Sorri, involuntariamente, ao pensar naquele contato tão próximo e tão distante. Teria sido real? Não precisava dessa prova. A sensação dos seus lábios nos meus e toda a gama de emoções e vibrações que sentimos me invadiu, aquecendo meu coração. Só poderia ter sido real.Apenas um átimo de segundo do tempo real... Contudo, o contato perdurava — ainda.


De repente, senti frio. O sol se foi. Uma nuvem mal-intencionada bloqueara o sol, impedindo que minhas lembranças se tornassem mais exatas. Levantei-me e olhei pela janela, certa do que veria. O Velho. O Andarilho do tempo morto soprava — furiosamente. Urrava. Contorcia-se. Ao fechar minha porta para ele, sua morte se tornou iminente. Endireitei-me. Abri a janela. Olhei-o, altiva e furiosa. Sorri e sorri e sorri ainda mais. Reavivei com todas as forças do meu desejo aquelas lembranças do nosso último contato, querido. Fez-se, então, a justiça do universo. Diante da imperiosa força da vida que irradiava de mim, o homem — Velho — sucumbiu.




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