Literatura como sistema


A FUNÇÃO CONSTRUTIVA E A FUNÇÃO AUTÔNOMA COMO
ELEMENTOS DEFINIDORES DA LITERATURA COMO SISTEMA.

Uma visão do artigo “Da evolução literária”, de Tynianov.

Daniele Thiebaut


O estudo sistemático da Literatura deu seus primeiros passos apenas no século XIX quando a ‘idéia literatura’ alcançou sua concretude no meio científico.

Os historiadores da literatura utilizavam-se da ‘média evolutiva da tradição’ para definir o posto de cada obra em períodos pré-definidos. Esta crítica diacrônica preocupava-se apenas em reconhecer características clássicas e excluía tudo o que não correspondesse às normas em vigor. Neste ponto, o historicismo e o psicologismo são os instrumentos de que se valem estes pseudo críticos. A compreensão da literatura estava na investigação dos fenômenos que ocorrem na psique do autor e nos fatores externos (sociais e históricos) que pudessem influenciar o momento da composição da obra.

Entretanto, um acontecimento revolucionaria este cenário: a delimitação do objeto de estudo da Lingüística e seu reconhecimento como ciência. Isto ocorre exatamente no século XIX. Até então, a eleição da análise diacrônica como método de investigação não representava oposição a outro método como se supõe. É com os estudos lingüísticos que surge um novo ponto de observação para os críticos literários. Neste momento, instaura-se a oposição entre os procedimentos de análise. Configuram-se, neste cenário, duas fortes correntes: a subjetivista e a formalista.

Os formalistas elegeram o texto como fonte única de pesquisa, valorizaram a Poética dentro da Lingüística e o estudo sincrônico como forma de avaliar as obras produzidas no período e a tradição revivida.

Assim como não há substituição do método diacrônico pelo método formalista de pesquisa, não há substituição de um sistema literário pelo seu sucessor. O que se determinou ‘evolução literária’ deveria ser, na verdade, um estudo da variabilidade literária. Admitindo-se que cada época se constitui em um sistema particular com seu procedimento criativo único, não se pode aplicar a épocas variadas o mesmo critério de avaliação. Tynianov estabelece um procedimento de investigação que abrange todos os aspectos que envolvem o processo criativo:

FC: Função construtiva (elo), objeto de estudo;

FA: Função autônoma (sistema interno da obra), foco principal da investigação;

FS: Função sinônima (elementos presentes na obra e no sistema particular);

EX: Outros elementos presentes no sistema particular e ausentes na obra, e elementos extraliterários.

Partindo do micro para o macro, a relação entre função autônoma e função sinônima seria a seguinte:

a) Micro: o próprio texto. Ex.: o valor e a função do elemento léxico dentro do texto e dentro do sistema.

b) Macro: o sistema literário. Ex.: a obra literária como expoente da tradição do sistema.

A função construtiva está no contexto em que aparece o elemento lexical, na obra representativa de uma tradição e na relação obra–sistema. De igual maneira, a função construtiva é o elo entre a obra e os elementos característicos do sistema, mas que não a compõe (micro) e, entre o sistema e o outro, e um sistema e a variabilidade da linha diacrônica da literatura (macro).

Para Tynianov, “a função autônoma não decide, ela apenas oferece uma possibilidade, é uma condição da função sinônima.” (p. 108) A função construtiva deve ser o principal objetivo de observação do crítico, mas é a função autônoma o fator que permite a construção de uma ciência literária. Exatamente por isso é que o estudo imanente da obra perde seu valor como dado científico. O fato literário apurado mediante uma investigação puramente imanente perde sua significação, pois não encontra o diferencial que a justifique. “O estudo isolado de uma obra não nos dá certeza de falarmos corretamente de sua construção, de falarmos da própria construção da obra” (p. 109)

Outro importante aspecto que se deve observar é o comportamento dos elementos formativos através do tempo. A forma é a única a evoluir no processo literário. O elemento formativo em suas várias faces e funções é o verdadeiro responsável pelo que se convencionou chamar ‘evolução’. Por este motivo é que os gêneros não são constantes; o elemento formativo está em constante metamorfose.

O elemento formativo destacado por um determinado período torna-se dominante e graças a esta variável dominante a obra adquire função literária. Quando este elemento, em sua metamorfose, coloca-se em um pólo oposto ao da série a que pertence, surge um agente de vanguarda.

Com relação ao extraliterário, especificamente, à vida social, é preciso esclarecer também a sua função no processo criativo; diferentemente do que observam os subjetivistas, a vida social não é um fator de influência na psiquê do autor. A vida social está presente na obra ainda mais diretamente do que se supunha: está presente no texto através de seu aspecto verbal. A intenção criadora do autor alcança seu objetivo através das atividades lingüísticas. “Para manejar um material especificamente literário, o autor submete-se a ele e afasta-se dessa forma de sua inteção” (p. 114) A perda provocada por este afastamento é recuperada na forma lingüística.

O processo inverso, ou seja, a expansão da função literária na vida social, acontece por meio da personalidade literária e não da pessoa (do autor). Este talvez seja o maior ponto de conflito entre subjetivistas e formalistas. Aspectos pessoais, psicológicos e sociais podem ou não influenciar de forma significativa o processo criativo. Entretanto, os elementos formais que personificam esta influência nunca serão testemunhas da individualidade do autor.

O estudo da evolução literária está condicionado ao estudo da função construtiva e da interação com a função literária, e esta com a função verbal. Somente desta forma a literatura pode se configurar como um sistema.

Bibliografia consultada:
TYNIANOV, J. Da evolução literária. In: TOLEDO, Dionísio de Oliveira. (Org) Teoria da literatura: formalistas russos. 1. ed. Porto Alegre: Globo, 1970. p. 105-118

Comentários

  1. Danielle, parabéns pelo texto. Você poderia dar a referência bibliográfica de sua citação?

    abraços,
    Ricardo Portella.

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  2. Boa Tarde Danielle!!

    Sou aluno do curso de Letras/Português e estou fazendo um trabalho sobre Literatura como Sistema e Literatura Empenhada. Muito bom seu artigo, mas gostaria que me ajudasse nesse ponto. Não teria uma explicação um pouco mais concisa sobre esse temas? Ficaria muito grato se me ajudasse.

    Abraço,

    Aniuzo Magalhães.

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  3. Aniuzo, faz muito tempo mesmo que estudei este tema. Foi o único artigo que produzi. Sugiro consultar diretamente o TYNIANOV.
    Abraço,
    Daniele

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