Ler é confessar

Minha leitura não é apenas metabolismo intelectual. Minha leitura está vinculada à necessidade de realização e transformação do ser-sendo. Ler escutando o silêncio; ler dialogando com o texto; ler envolvendo a alma. Ler apropriando, no sentido dado por Castro: sendo grande, completo, pleno, inteiro, íntegro.

Assim se faz minha leitura: para acertar o compasso do tempo. Do tempo oportuno, do tempo de florescimento e maturação: Kairós. Para acertar o tom da palavra internalizada na leitura. Para fugir do ‘falatório e pretensões representacionais’ que nos sugam na vida em comunidade. Ler para escutar o silêncio e, nele, a alma. Ler para ser e sendo, ler.

Minha leitura apropria-se do outro. Apropriei-me do Desencanto de Manuel Bandeira, em Estrela da Vida Inteira: “Eu faço versos como quem chora / De desalento... de desencanto... / Fecha o meu livro, se por agora / Não tens motivo nenhum de pranto.” Apropriação que decorre da identificação por meio da linguagem. Certeza que Bandeira tinha nos Versos Escritos N’Água: “Os poucos versos que aí vão, / Em lugar de outros é que os ponho. / Tu que me lês, deixo ao teu sonho / Imaginar como serão.”

Ler e na recepção da leitura saber que o poeta não encerrou sua comunicação, que ainda há uma Confissão: “Neles porás tua tristeza / Ou bem teu júbilo, e, talvez, / Lhes acharás, tu que me lês, / Alguma sombra de beleza...”

E, enfim, sentir que já não é mais suficiente ler, que é preciso dar vazão a voz de dentro. “Mas ela chega, e toda me parece / Tão acima de mim... tão linda e rara... / Que hesito, balbucio e me acobardo.” Acovardo-me diante de sua força, que me domina e faz com que eu escreva a minha própria leitura, porque ler é confessar.