PAI

Se um dia a gente se encontrar e eu confessar que vi um filme tantas vezes para desvendar os olhos teus?
E se a gente se falar, contar as coisas que viveu? O que esperamos do amanhã... Será que pode acontecer?
Pois paralelo ao personagem, eu quis saber mesmo é de ti.
Queria que fosses feliz. Uma água calma a inundar a sua margem de carinho. Um peito aberto a quem chegar.
Com o teu nome diferente, uma paisagem nos induz, uma paisagem de inocência, mas que se sabe e que conduz.
Conduz agora este momento, o pensamento e os olhos meus, brilhando de emoção e grato.
Alguém que só te conheceu, num filme que viu tantas vezes, este poema aconteceu.

Pai,
Um dia nos encontramos e, certamente, o seu sorriso foi o mais largo do mundo e o seu coração bateu tão forte que toda a terra sentiu que eu havia nascido, só pra você. Nos seus braços, confiante, eu cresci, sentindo seu cheiro de pai, de homem, de proteção e vivi os momentos que fizeram de mim quem eu sou. A “advogada do diabo”, como você dizia. A menina rebelde, um tanto desbocada, inteligente, mas que sempre te encheu de orgulho e que sempre quis ser como você: de um caráter tão reto, que até Deus teria dificuldades em traçar uma linha tão reta assim.
E tivemos nossas separações e nossos reencontros, que foram tantos, e tão intensos, tão tristes e tão felizes e tão nossos, particularmente nossos, de forma tal que nem minha mãe e nem meus irmãos jamais puderam, poderiam ou poderão compreender. Entre nós, papai, havia aquela linguagem de pai e filha que a gente sabe que existe, mas não sabe mensurar e nem definir. É coisa de pai e filha. Nós tínhamos isso, sempre tivemos, a nossa maneira, tão querida, tão linda, tão especial.
Pensam tanto que nós nos desentendemos, porém nos entendíamos tanto não é? Lembra quando você largou o trabalho e foi comprar a boneca que eu queria? Pela segunda vez, a mesma boneca, caríssima, que você não podia comprar. Você foi lá e comprou-a para mim e a me deu com o peito aberto, o coração à mostra e eu a recebi da mesma forma e silenciosamente, nós sabíamos que grande amor era aquele que sentíamos um pelo outro. Você sabia e só você sabia porque a boneca era importante para mim e eu sabia, só eu sabia, o quanto foi sacrificante para você pagar por ela.
Também me lembro quando brigamos, em uma daquelas vezes em que, como sempre, eu disse o que pensava na sua cara, sem a menor censura. E você, muito nervoso, na verdade, sem saber como lidar com os meus argumentos, acabou me jogando pratos! (gargalhadas) Eu me cortei e levei pontos no braço, lembra? Você ficou se sentindo tãooooo culpado! Mas eu era a sua menina inteligente, aquela que você vivia cutucando para ser ainda mais respondona. A que você dizia: olha, você não deixa a professora brigar com você! Coloca o dedo na cara dela e diga-lhe poucas e boas! (risos) Lembra disso, pai?
Você me educou errado! E deu tão certo! Hoje, eu sou tão forte! Sim, passei duras penas até aprender que não se pode sair por aí colocando o dedo na cara de todo mundo e dizendo-lhes poucas e boas. Cheguei a perder um emprego porque fiz isso com meu chefe quando estava de TPM. Eu até tinha razão, mas fui extremamente mimada. É que eu já tinha crescido e ainda agia como a sua “advogada do diabo”.
Lutei muito para domar esse meu gênio, ou melhor, nosso gênio. Consegui. Consegui tirar o melhor de você. Ficar com o melhor de você para mim: o gênio forte, o caráter reto, a aversão à injustiça, o bom humor, a gargalhada, o gosto pela música e pelos discos (que no final, ficaram pra mim), o prazer de cantar, de rir da vida e até da dor.
Pai, a gente viveu um poema. Não foi uma prosa. Não foi um romance. Não foi um soneto. Não foi também um daqueles longos e chatos poemas. Foi um poema breve. Um poema-síntese. O melhor poema que se poderia escrever entre pai e filha. Isto eu te garanto com toda a certeza do mundo! Não houve melhor pai. E não houve amor maior! Não haverá homem que o substitua.
Perdoe-me se, no final, eu não consegui segurar sua mão, falar ao seu ouvido, chamar seu nome. Você estava tão pequenininho naquela cama. E o meu pai era tãoooo grande. Tão imenso! Eu sou só uma criança diante de você, pai. Então, me perdoa, não ter te colocado no colo e nem ter conseguido deitar no seu colo na hora em que você partiu.
A verdade é que eu não consegui colocar um ponto final no nosso poema.
Por isso hoje, eu deixo pra você a pontuação perfeita
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Te amo, pai!
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