A Carta - Capítulo IV

Antes do alvorecer, envolta em uma longa manta feita por D. Alzira, Dália arrastou uma chaise long de vime para o centro do jardim e deitou-se, apreciando ainda o encontro entre a lua e o sol, cujos primeiros raios surgiam no horizonte. Nada se ouvia além dos sons da natureza que, naquele lugar, nunca cessavam. Toda a casa ainda dormia, inclusive a cozinha.

Os tons de azul misturavam-se com os rosas e laranjas que começavam a iluminar o dia. Pequeníssimas gotas de orvalho desciam das pétalas das flores do jardim. Dália admirava a fragilidade das flores, enquanto pensava na sua própria fragilidade, e sentia-se tão presa àquela terra, quanto qualquer pé de cana da fazenda de seu pai.

A chegada da carta e o decreto paterno foram para Dália uma forma equivocada de revelar o amor. Ou, talvez, um fato revelado como teoria científica: o amor não era possível para ela.

Quem seria aquele homem a quem seu pai a vendera assim, por preço tão baixo, sem sequer ter tido a precaução de conhecê-lo antes? Como seria seu caráter? Como seriam seus hábitos? Sua idade, qual seria? Estaria em condições de desposar uma mulher na idade de Dália? Estaria apto a amar?

O primeiro raio da manhã, finalmente, surgiu esplêndido, ofuscando a visão de Dália e ignorando-a, completamente. Assim como fizera seu pai. Será que seu pai também ignorava sua mãe? Seria aquela uma união sem amor? Um pacto?

Sentindo-se enjoada com todos aqueles pensamentos e aquela manhã horrendamente bonita que surgia alheia às suas dores, Dália recolheu-se novamente ao seu quarto.

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