A impressão máxima da imagem como procedimento poético

Várias são as tendências das escolas poéticas e suas teorias. Mas é perceptível em todas elas uma insistência em perceber a evolução da arte como um processo ininterrupto de substituição. Seja a substituição de imagens, ou a reformulação do processo formativo, ou ainda, a redefinição dos clássicos, o processo de evolução da arte tem tido no princípio da substituição o seu fundamento. A tese é compreensível. Partindo de um estudo diacrônico da literatura somos levados a não considerar certos aspectos levantados pela investigação sincrônica. Um método que nos parece coerente é o apresentado por Tynianov, que vê a Função Construtiva como a grande resposta para os problemas de investigação e análise literárias porque correlaciona a obra ao sistema particular, e este à Literatura como sistema e, ainda, estuda a particularidade deste elo entre as funções autônoma e sinônima.

O fato específico de se considerar a arte como um pensar por imagens nos remete a uma outra teoria que acredita que a arte seja contemplação. Uma forma de explicar o desconhecido pelo conhecido. Considerando que o homem realmente apresenta certa dificuldade em compreender os fenômenos perceptíveis apenas com certo grau de abstração é compreensível que se veja na arte uma forma de representação contemplativa destes fenômenos. Entretanto, issos só pode acontecer até o momento em que ainda não aparece o formalistmo e seus estudos lingüísticos; até o momento em que a literatura ainda é analisada através de pontos de vista extraliterários. A partir do momento em que a subjetividade é desbancada e que temos um procedimento de estudo estruturalista, já não cabem concepções como essas.

O pensamento por imagens elege símbolos que se perpetuam, mas que, aos poucos, vão perdendo sua carga significativa. Tratar a poesia como uma linguagem simbólica cujo objetivo é o reconhecimento do objeto e sua contemplação, é impor à poesia a função de mera depositária de material verbal. Uma linguagem que meramente comunica e que por não gerar qualquer dificuldade de compreensão, também não permite a reflexão: economia de energia. Entretanto, como afima Chklovski: "A economia de energia como lei e objetivo da criação é talvez verdadeira no caso particular da linguagem, ou seja, na língua cotidiana".

A mensagem poética é, sobretudo, imagética. O que não significa que seja uma imagem estática que permite apenas a contemplação: uma imagem prosaica. A imagem poética busca a impressão máxima. Impressão esta que para alcançar seu máximo utiliza-se não do reconhecimento, mas do estranhamento (princípio do estranhamento), objetivando a visão e não a contemplação. A arte não busca a compreensão de fenômenos, é antes, ela própria, uma abordagem singular (princípio da singularidade) que permite a reflexão porque se impõe por meio da verdade. Uma verdade que não pode ser conhecida pelo homem por meio da história e das deduções positivistas. A arte, neste ponto, supera o empirismo porque perpetua na visão o devir do objeto.

A imagem estática da contemplação do objeto não permite o deslocamento do mesmo e, conseqüentemente, uma nova percepção. O caráter estético liberta conscientemente a percepção do automatismo prosaico. Na poética este deslocamento da percepção é ainda mais evidente porque a linguagem poética é elaborada e permuta-se com as atividades lingüísticas prosaicas, sugando-lhe o máximo de possibilidades de inovação e estranhamento. Esse estranhamento é conseguido subvertendo-se a linguagem popular. "Na arte, há uma ordem (...) o ritmo estético consiste num ritmo prosaico violado". É na dissemelhança que a arte encontra o melhor instrumento para atingir o seu objetivo. Um pensamento por imagens simbólicas destitui a arte de sua função original e a torna inútil.

É uma provocação!

Abraços,

Daniele

P.S.: Reflexões sobre o artigo "A arte como procedimento", de Chklovski, in: Teoria da Literatura: formalistas russos.

Comentários

  1. ainda vou ler várias vezes este artigo, mas, me diga: para vc,o fato da arte ser, ou se tornar, inútil, faz dela menos necessária?

    ResponderExcluir
  2. Se é inútil, absolutamente inútil, não me parece arte. Temos que trabalhar a nossa sensibilidade para perceber o sentido da obra, não acha?

    Quanto à necessidade... nem se discute. A ARTE é, por si só, uma necessidade humana.

    Você me fez pensar ainda mais... mas este tema é bem polêmico!!! rsrsrs

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas