Mentiras do Luto

Rosamunde Pilcher disse "O que é essa morte senão um acidente desprezível?". Em toda a sua argumentação consolativa, no trecho do livro "Setembro", a questão - retórica - pode fazer sentido. Talvez faça sentido também àqueles enlutados que passaram já à fase da resignação.

Porém, me parece que os "pêsames" são a maior hipocrisia contra um dos sentimentos humanos mais instintivos que temos: amor de apego - apego de amor. Estou lá, no funeral de meu pai, chorando por dentro, por fora, por todos os poros, por todos os portos e me chega alguém que, naquele momento, poderia ser o Papa, e diz: meus pêsames! Dá-me um abraço, diz algo mais, se o consegue, e enfim, me abandona novamente a minha tristeza profunda, funda, larga, imensa, impenetrável.

Quero estar só e inconsolável. Não quero consolo para esta perda! Não quero perder! Não aceito a morte! Não aceito a partida! Não aceito aquele corpo frio e duro que jaz ali na minha frente dizendo-me: sou seu pai, sou seu pai, sou seu pai, sou seu pai. Tum tum. Tum tum. Tum tum. Ali batem dois corações: o meu e o dele, juntos. Apesar do "acidente desprezível".

O funeral passa e eu estou ali, a dor está ali, o corpo está ali e o apego está ali e permanecerá em mim. O corpo desce à terra. Palavras, últimas palavras, são ditas ao morto. Uma homenagem? Uma despedida? Um algo a dizer que faltou?

O que passa em nossas mentes neste momento quando dizemos essas coisas e fazemos essas homenagens? A quem estamos falando? Ao morto? Não! Não nos enganemos. Estamos falando a nós mesmos e, algumas vezes, aos outros. O homem, a mulher, a criança: já se foram. O que tivermos a dizer para eles o diremos diariamente pelo resto de nossas vidas, pois o luto é eterno e o consolo é uma mentira, uma farsa, uma imensa e nojenta hipocrisia.

Meu pai, minha mãe, meu filho, meu neto, meu irmão: não está morto! Está em mim! Vivo, vivo e ainda mais vivo porque necessito rememorá-lo o tempo todo para preencher o espaço que o corpo deixou vazio. A voz que não ecoa, o cheiro que não sinto, o abraço que não aperta, o beijo que não recebo, o telefone que não toca, a mão que não entrelaço na minha: tudo precisa ser preenchido. E é.

Mas não é preenchido com esperança, fé, crendices, fotos, histórias. É preenchido com dor. Com lágrimas. Com saudade. Com apego. Com amor incomensurável.

Se uma mãe não se aparta de seu filho ao cortarem o cordão umbilical, porque nos apartaríamos de nossos pais após o "acidente desprezível"?

Chorarei sempre. Sentirei a dor eterna da saudade. E considerarei a morte um acidente desprezível, sim. Desprezível, não porque meu pai somente passou a sala seguinte, como afirma Pilcher. Desprezível diante da força do amor que nos une.

A vida passada não permanece imutável, após a partida "dele". Tudo é revisto, revivido, refletido no presente deste dia a dia de saudade e dor. E não há futuro. Esta é uma outra mentira. Existe o passado, existe o presente, nada mais.

Paremos de nos enganar.

Comentários

  1. Engano seu: nem existe passado, nem futuro.. só presente. Quando vc escreveu esse texto? naquele momento que era presente. Tudo acontece no presente e apenas no presente.

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  2. Existe passado. Este texto ficou no passado.

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  3. errado.. passado existiu, não existe mais. o tempo é invenção.. tudo acontece no presente.. experimente viver no passado ou no futuro.. não dá pq não existe isso.. é pura invenção

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