O Piano e a Inexistência de Missão na Vida

Para ler, ouça: https://www.youtube.com/watch?v=mZS9gTQNE1Y

"(...)
Tu, o que eras, tu o que vias, tu o que ouvias,
O sujeito e o objeto, o ativo e o passivo,
Aqui e ali, em toda a parte tu,
Círculo fechando todas as possibilidades de sentir,
Marco miliário de todas as coisas que podem ser,
Deus Termo de todos os objetos que se imaginem e és tu!
Tu Hora,
Tu Minuto,

Tu Segundo!
Tu intercalado, liberto, desfraldado, ido,
Intercalamento, libertação, ida, desfraldamento,
Tu intercalador, libertador, desfraldador, remetente,
Carimbo em todas as cartas,
Nome em todos os endereços,
Mercadoria entregue, devolvida, seguindo...
Comboio de sensações a alma-quilômetros à hora
À hora, ao minuto, ao segundo, PUM!
Agora que estou quase na morte e vejo tudo já claro.
Grande Libertador, volto submisso a ti.

Sem dúvida teve um fim a minha personalidade.
Sem dúvida porque se exprimiu, quis dizer qualquer coisa
Mas hoje, olhando para trás, só uma ânsia me fica -
Não ter tido a tua calma superior a ti próprio,
A tua libertação constelada de Noite Infinita.

Não tive talvez missão alguma na terra."

Saudação a Walt Whitman, Fernando Pessoa.

Vivemos a buscar a missão na terra. E não imaginamos que talvez a missão seja a inexistência de algo a buscar, completar, entregar. Viver ou sobreviver é o que basta. Quem sabe, como disse Vinícius, "resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto, esse eterno levantar-se depois de cada queda, essa busca de equilíbrio no fio da navalha." Pode ser que seja só isso. Acredito que seja só isso. Não há que se plantar árvore, escrever livro ou ter um filho. Inexistir é a missão.

A sensação que "The scent of love", de Michael Nyman, me traz uma constante luta entre a fragilidade e a força: o movimento da vida. O embate da vida. Puramente o embate é a missão que, na verdade, não se configura missão. Não temos, talvez, missão alguma na terra.

"Intercalamento, libertação, ida, desfraldamento,", apenas movimentos de vida. Carimbos em todas as cartas, fim de personalidade no encontro com a morte e o grande medo, ao qual Vinícius se refere, talvez seja "não ter tido a (...) tua libertação constelada de Noite Infinita."

Existe apenas embate, movimento.

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